O uso do Auto Retrato na Arteterapia

A técnica de auto retrato na Arteterapia possibilita a expressão das percepções que a pessoa tem dela mesma tanto fisicamente quanto de sua personalidade. Sabemos que as percepções que temos de nós impactam profundamente na maneira como nos relacionamos com as pessoas e situações que se apresentam em nossa vida, bem como na forma como lidamos com os enfrentamentos que se interpõem.

Lembramos, nesse contexto, que a forma como nos vemos sofre influências das construções culturais/sociais e familiares que apresentam modelos/padrões, mas que não necessariamente irão satisfazer a nossa subjetividade. O que pode ocorrer é o desejo de nos construirmos à partir desses modelos e expectativas sacrificando um pouco ou muito de nossa singularidade. Até certo ponto, as adequações nos ajudam e são importantes, mas quando ocorrem distorções profundas da personalidade e da percepção do próprio corpo devido as adequações e à necessidade de aceitação podem surgir quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos relativos à própria imagem.

Se observamos os auto retratos de vários artistas podemos ver o quanto de sua natureza se revela ali, ao contrário dos retratos que em sua grande parte foram idealizados, à fim de comunicarem força, potência ou prestigio social. Normalmente, os auto retratos são mais sensíveis do que os retratos, pois ao artista escapa a capacidade de ser desonesto quanto à sua real natureza, pois invariavelmente o inconsciente acaba por revelar as agonias ou as agudezas de seus espíritos. Muitas vezes, o motivo de se fazer um auto retrato consiste mesmo em uma auto revelação desses aspectos profundamente humanos e. não raro conflitantes.

Na Arteterapia a técnica do auto retrato pode ser elaborada de várias formas, seja através da colagem, da pintura, do desenho ou da argila. Todas essas linguagens são capazes de falar da imagem que o paciente tem dele. Cada terapeuta poderá escolher de que forma trabalhará o auto retrato junto aos seus pacientes.

Na maior parte das produções do auto retrato, os pacientes precisam de um algum tempo para conseguirem observar suas produções, interagir com essas imagens até poder falar algo sobre elas. Expressar algo sobre si mesmo imageticamente não é realmente uma tarefa fácil, pois representa a mesma dificuldade de definir-se à partir do único lugar possível, que é uma visão interior. Como escreveu Fernando Pessoa (1888 -1935), só consigo me observar ou dizer algo sobre o que sou à partir de dentro, porque é impossível estar fora de si mesmo.

O auto retrato pode ser oferecido no início do atendimento e pode ser retomado à certa altura do processo desse mesmo paciente, à fim de que possamos perceber se ocorreu alguma mudança na maneira como aquela pessoa se percebe, por isso é válido guardar o primeiro auto retrato para compará-lo com o auto retrato posterior, e juntos, o terapeuta e o paciente, perceberem alguma mudança e em que sentido.

Uma outra forma de se trabalhar com o auto retrato é na construção de uma imagem (exterior e interior) que o paciente deseja atingir e desenvolver sobre si mesmo. Nesse caso, seria um auto retrato potencial dentro de um processo em que o paciente já está buscando atingir e que seja importante e positivo para ele.

Como vemos, as possibilidades são muito amplas para o uso da técnica. Trabalho o auto retrato com idosos para a melhora na capacidade em lidar com as mudanças relativas ao corpo e também emocionais. Para os idosos a passagem do tempo os impacta mais profundamente através da contemplação do próprio rosto. Muitos relatos de pessoas idosas revelam que é olhando profundamente para seus rostos que eles percebem o quanto envelheceram. Através do auto retrato, podemos ajudá-los a assimilar essas mudanças, bem como trabalhar os aspectos positivos que visam a valorização, o cuidado e apreciação de si mesmos. Mudanças tanto externas quanto internas falam de uma jornada de vida cheia de significados que abriga alegrias e sofrimentos com dignidade e inteireza.