As Mandalas como Recurso Terapêutico em Arteterapia na Abordagem da Psicologia Analítica
- Edneide Assis Amaral/Edi
- 5 de fev. de 2019
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As mandalas foram e ainda são usadas por muitas culturas. Catalisadoras de forte sentido de integração, são usadas terapeuticamente para expressarem a idéia de unidade, mas também como potencializadoras de estados mais interiorizados ligando os homens a uma jornada que visa alcançar ordem e inteireza, para citar alguns de seus aspectos.
A palavra mandala segundo Joseph Campbell (1904-1987), “ é a palavra sânscrita para “círculo” que é montado ou desenhado simbolicamente,e lhe permite adquirir um significado de ordem cósmica.” (p.227, 1990) Segundo Campbell as mandalas apresentam, no exercício de sua contemplação, um potencial humanizador porque também se referem à um aspecto religioso, bem como representam a natureza cíclica da vida numa sucessão de “mortes e renascimentos” no qual não podemos distinguir um começo e um fim precisamente, mas sim uma fluidez construindo assim a relação do homem consigo mesmo e com os fenômenos da vida.
As mandalas expressam a jornada que aprofunda o homem em sua relação com sentidos transcendentes à sua existência, e na busca de atingimento de um estado indiferenciado, portanto uno à tudo o que existe.O termo “totalidade” foi usado por Jung para descrever o significado simbólico das mandalas.
Jung estudou mandalas de diversas culturas e encontrou nelas a representação da dinâmica da psique humana em um processo que visa à integração.
“Como já foi dito, mandala significa círculo. Há muitas variações do tema aqui representado, mas todas se baseiam na quadratura do círculo. Seu tema básico é o pressentimento de um centro da personalidade, por assim dizer um lugar central no interior da alma, com o qual tudo se relaciona e que ordena todas as coisas, representando ao mesmo tempo uma fonte de energia. A energia do ponto central manifesta-se na compulsão e ímpeto irresistíveis de tornar-se o que se é, tal como todo organismo é compelido a assumir aproximadamente a forma que lhe é essencialmente própria. Este centro não é pensado como sendo o eu, mas se assim se pode dizer, como o si-mesmo. Embora o centro represente, por um lado, um ponto mais interior, a ele pertence também, por outro lado, uma periferia ou área circundante, que contém tudo quanto pertence ao si-mesmo, isto é, os pares de opostos que constituem o todo da personalidade. A isso, em primeiro lugar, pertence a consciência, depois o assim chamado inconsciente pessoal, e finalmente um segmento de tamanho indefinido do consciente coletivo, cujos arquétipos são comuns a toda humanidade. Alguns deles estão incluídos permanente ou temporariamente no âmbito da personalidade e adquirem, através desse contato, uma marca individual, como por exemplo - para mencionar algumas das figuras conhecidas - a sombra, o animus e a anima. O si mesmo, apesar de ser simples, por um lado, é, por outro, uma montagem extremamente complexa, uma conglomerate soul, para usar a expressão indiana.” (JUNG, 2000)
Ao observar a produção de mandalas de seus pacientes Jung percebeu que tais expressões surgiam , quase que invariavelmente, após estados de profunda desorientação psíquica marcados por momentos de pânico e caos, sendo assim, o surgimento de imagens de mandalas nesses quadros significaria uma tentativa de ordenação nem sempre de natureza consciente. A função das mandalas, nessas condições, expressa um sentido de ordem, equilíbrio e totalidade.
Jung encontrou nas mandalas produzidas por seus pacientes temas/imagens arquetípicas, ainda que tais pacientes jamais houvessem tido contato com aqueles simbolismos. Sendo assim, Jung expõe que:
“Em vista do fato de que em todos os casos aqui demonstrados há novos fenômenos independentes de qualquer influência, somos obrigados a constatar que, além da consciência, deve existir uma disposição inconsciente universalmente desenvolvida, uma disposição capaz de produzir em todos os tempos e lugares, os mesmos símbolos, ou ao menos, muito semelhantes entre si.”(JUNG, 2000)

Ao utilizarmos as mandalas como recurso terapêutico estamos estabelecendo uma ponte na intenção de que compondo mandalas restabelecemos, de certa forma, um senso de unidade no sujeito, gerando assim mais integração em face de estados psicológicos fragmentados. Outra intenção possível é fazer com que o mesmo se sinta parte de algo maior do que ele, onde ele está contido e contém ao mesmo tempo e para observamos seu estado emocional propriamente através da composição e dos elementos de sua mandala.
Como nenhum símbolo se torna símbolo sem que seja reconhecido como tal através de um forte sentido para o paciente, quando oferecemos um trabalho com mandalas, talvez elas apenas sejam apreendidas como símbolos totalizantes de forma inconsciente pelos pacientes, ou pode acontecer de que não sejam reconhecidas como símbolos válidos para os mesmos de forma consciente ou inconsciente.

Jung analisou uma grande quantidade de mandalas de seus pacientes, que foram produções espontâneas e de natureza inconsciente ligadas ao processo terapêutico de cada um deles. Quando utilizamos mandalas de forma intencional, estamos nos embasando no significado do simbolismo delas, porém, elas não são a única possibilidade para se falar de totalidade, equilíbrio ou espiritualidade.
Quando o terapeuta estabelece uma forte conexão com um símbolo e o emprega em várias propostas terapêuticas precisa compreender a relação que visa estabelecer através desse símbolo e o processo do paciente.Estar atento às emergências simbólicas dos pacientes é muito mais importante. Não raramente, em meus próprios atendimentos, utilizei alguns símbolos para construir certos sentidos que não foram significativos o bastante, mas quando me mantive atenta ao que os pacientes produziam enquanto imagens, ou busquei imagens mais conhecidas em nossa cultura, as interações e percepções foram melhores por parte deles.

Não se trata de invalidar o trabalho com mandalas de fora para dentro, mas precisamos perceber em nosso processo como terapeutas se a necessidade de trabalhar com elas é mais nossa do que do paciente. Se fala mais do nosso encantamento por elas e do significado dela para nós, do que sendo um caminho viável dentro do processo do paciente. Esse olhar pode nos ajudar em relação a qualquer outra intencionalidade que tenhamos ao trabalharmos com um símbolo em um contexto junto aos pacientes. O símbolo é algo dinâmico, por mais que vejamos nele uma série de significações, mas uma cruz pode dizer muito sobre Cristo ou poderá pouco dizer sobre Cristo. O que fará essa diferença, é o quanto a pessoa encontra naquela imagem esse significado, e mesmo para um cristão isso pode mudar: talvez seja símbolo de sacrifício e morte para alguns e para outros símbolo de libertação e de uma nova vida.
O único cuidado que temos de ter ao trabalharmos com mandalas ou com qualquer outro símbolo intencionalmente é se isso fará realmente uma construção terapêutica válida aos casos e se não estamos sob forte identificação simbólica que nos faz lançar o símbolo dentro de contextos muito amplos por considerarmos que ele seja belo, rico e tenha forte capacidade de transformação. Todo símbolo tem uma forte capacidade de transformação se a psique do paciente manifestá-lo e reconhecê-lo como importante.
- Campbell, Joseph, 1904-1987.
O poder do mito / Joseph Campbell, com Bill Moyers ; org. por Betty Sue Flowers ; tradução de Carlos Felipe Moisés. -São Paulo: Palas Athena, 1990
-Jung, Carl Gustav, 1875-1961. Os arquétipos e o inconsciente coletivo / CG. Jung ; [tradução Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. - Perrópolis, RJ : Vozes, 2000